Olhares, sorrisos e cumplicidades implícitas na esquina do Mundo
Hoje fartei-me de estar enfiado naquele gabinete. E assim que acabei o meu turno, tratei de despir o uniforme, refrescar-me, contar os trocos que tinha no bolso e dar uma volta. Sentir o sol na cara. Respirar. Esvaziar a cabeça de tudo. Relaxar.
No quiosque em frente à Sé comprei o "Finantial Times"; para ler bons jornais nesta terra, temos de comprar os estrangeiros...
E dei por mim à frente do "Golden Gate", ali na alameda que conduz à Sé Catedral.
O "Golden Gate" está intimamente ligado à vida desta cidade no século XX. Definido como "a esquina do Mundo" (atenção, não confundir com um blog de reputação duvidosa gerido por um grupo de descontentes de tanga que só merece ser cruxificado numa longa via-sacra que um dia, espero bem, venha a engalanar a marginal desta urbe) por Ferreira de Castro, este espaço era uma referência privilegiada para o encontro e troca de ideias numa sociedade reconhecidamente acanhada e atrasada.
Era ali que os viajantes do tempo dos vapores e das linhas do Cabo e das viagens para a América do Sul, em escala ou de visita à terra, se encontravam. Era ali que a "inteligentsia" funchalense, médicos, advogados, escritores, mecenas, artistas, davam os seus dois dedos de conversa à mesa.
Depois, já no fim da Ditadura, era um espaço conotado com os "fachos", os botas-de-elástico, os conservadores, em oposição a outro mítico espaço nesta terra, o "Apolo", a poucos metros de distância, pólo aglutinador da juventude irreverente e ansiosa pela Liberdade.
Pelo caminho está igualmente a adaptação do espaço original para uma agência bancária, passando o café para o primeiro andar, e passados largos anos, um filho da terra, Jardim Gonçalves (esse mesmo, o banqueiro, não o padreco), reconhecendo o valor daquele espaço para a história e para a cultura da cidade, acedeu em restaurar o "Golden Gate" ao seu anterior estatuto e esplendor.
No quiosque em frente à Sé comprei o "Finantial Times"; para ler bons jornais nesta terra, temos de comprar os estrangeiros...
E dei por mim à frente do "Golden Gate", ali na alameda que conduz à Sé Catedral.
O "Golden Gate" está intimamente ligado à vida desta cidade no século XX. Definido como "a esquina do Mundo" (atenção, não confundir com um blog de reputação duvidosa gerido por um grupo de descontentes de tanga que só merece ser cruxificado numa longa via-sacra que um dia, espero bem, venha a engalanar a marginal desta urbe) por Ferreira de Castro, este espaço era uma referência privilegiada para o encontro e troca de ideias numa sociedade reconhecidamente acanhada e atrasada.
Era ali que os viajantes do tempo dos vapores e das linhas do Cabo e das viagens para a América do Sul, em escala ou de visita à terra, se encontravam. Era ali que a "inteligentsia" funchalense, médicos, advogados, escritores, mecenas, artistas, davam os seus dois dedos de conversa à mesa.
Depois, já no fim da Ditadura, era um espaço conotado com os "fachos", os botas-de-elástico, os conservadores, em oposição a outro mítico espaço nesta terra, o "Apolo", a poucos metros de distância, pólo aglutinador da juventude irreverente e ansiosa pela Liberdade.
Pelo caminho está igualmente a adaptação do espaço original para uma agência bancária, passando o café para o primeiro andar, e passados largos anos, um filho da terra, Jardim Gonçalves (esse mesmo, o banqueiro, não o padreco), reconhecendo o valor daquele espaço para a história e para a cultura da cidade, acedeu em restaurar o "Golden Gate" ao seu anterior estatuto e esplendor.
É um sobrevivente de outras eras, sabiamente adaptado aos tempos modernos.
Ora e lá estava eu. Procurei um espaço no interior; nunca fui muito adepto de esplanadas e se ficasse naquela, certamente corria o risco de dar de caras com algum colega e depois a conversa ia dar ao trabalho... Sentei-me na cadeira de vimes, pus-me confortável, abri o jornal e esperei que me viessem atender. O movimento até nem era essas coisas por aí além, sendo a maior parte dos clientes turistas, e uma ou outra cota tia (ou tia-avó, tendo em conta as rugas e a pintura).
Finalmente, a empregada. Coisinha insonsa, com duas velocidades: devagar e parada. Um café e uma "Perrier". Não tinham, caralho. Bom, que remédio, venha uma "Carvalhelhos"; o que é nacional também costuma ser bom.
Mais meia-hora para me virem trazer o pedido. Enfim...
Aproveitei para fazer sightseeing assim um bocado mais pormenorizado, e reparo numa cota cinquentona, turista, numa mesa, sozinha, que, por sua vez, olhava para mim. Como sempre, o primeiro contacto visual é disfarçadamente desinteressado, casual, e volto para a leitura. Segundos depois, nova espreitadela, sobre as lentes dos óculos. Ela continuava a olhar... Interessante, a fêmea. Nada daquelas tipas assim com ar de bolacha de água e sal; esta tinha mais carnes, um pouco mais bronzeada e um certo brilho no olhar que denotava algo assim mais concreto. Ou seja, tinha olhar de foda.
Eis que chega o pedido. E já não era sem tempo. Enquanto mexia o café com a colher, fitei-a. Esbocei um sorriso. Ela também. Eis quando senão chega um tipo com ar de tótó à mesa dela. O marido. Pela pinta, só se devia sentir bem a andar por sítios sem tectos baixos, tal seria o tamanho das hastes. Fazia ela bem: gaja mal-fodida deve sempre procurar ajuda especializada.
Eram franceses. Ahahahahahahahahah... Bem me parecia, não devia ser da velha Albion, a minha amiga fodilhona. Gaulesa, logo badalhoca. Aquilo devia ser um arraial de caralhada. Aposto que adora dizer palavrões quando leva com ele pela racha acima.
Pensava nisto enquanto sorvia o café. Estava bom. Vá lá, sempre ajudava a anular o mau serviço. E a água caiu às mil maravilhas.
Ela continuava a olhar, menos fixamente por causa do corno, mas ainda ali estava. E eu também. Julgo que se não fosse pelo palhaço, certamente que lhe iria mostrar as vistas e o tecto de um quarto qualquer... Mas enfim, not today, my boy, not today...
Ainda ali permaneci um bom bocado, e eles também. Paguei e saí. Pelo caminho, passei junto à mesa dela, fiz uma pequena vénia com a cabeça e sorri. Ela respondeu ao sorriso novamente. E aquele brilho no olhar. Aquele olhar de quem sabe muito e quer sempre conhecer novas coisas, ter novas experiências.
Acho que passarei lá amanhã, novamente. Nunca se sabe o que o destino nos reserva...
Portem-se bem
Exocet